quinta-feira, novembro 15

Pessoas

Calmaria. Depois da tempestade vem a calmaria, costuma dizer-se. É o que sinto. Tudo calmo. Tudo a andar. E no entanto... sempre este sentimento de insatisfação, de angústia, de desalento sobre o que se alcançou. A vida passa, e tudo passa. Mas não devia ser assim. Devia ser tudo vibrante, como um dia. A maturidade devia ajudar-nos a aceitarmo-nos e aos outros, tal como somos/são. E porque não comigo? Porque sinto sempre a angústia eterna de querer mais, de mim, mas sobretudo, dos outros? Vou dar-vos um exemplo. Na Madeira, a enterrar o pai de 4 filhos, estive apenas eu "na minha classe". Só eu o sentia como Tio, ou outros haverá que sentem o mesmo? E porque não estiveram lá? A viagem custou-me tanto a mim como aos outros. E no entanto eu estive lá. Não deixaria de estar. Não deixaria de estar. É assim que me sinto como pessoa, parte de um todo que é a sociedade. E desta faz parte alegria e dor, não tenho ilusões. Sou uma pessoa adulta, consciente dos meus direitos e deveres. Tive o direito de o conhecer, de partilhar parte do que foi. E apesar de tudo o que fez de errado, a mim nunca me fez mal, pelo contrário. Costuma dizer-se que depois de mortos todos passam a ser os maiores. Não o era. Era um homem, como os outros. Deixou-nos recordações a todos. Deixou-nos um legado. Todos deixamos. E o respeito por esse legado levou-me, mais por impulso do que pela razão, a estar lá. A chorar como os outros, a amparar os amigos que tenho nos meus primos. A vida passa. Tudo passa. Mas os gestos ficam. E as ausências também. E estas, no meu coração de carangueja ficam marcadas para sempre. Sei que foram os vivos que me levaram a ir. Mas quando lá cheguei percebi que foi ele que me levou lá. Obrigada Tio, por me ter aproximado de quem me quer bem. A vida, a nossa vida, é única, feita de momentos, de um conjunto inimaginável de momentos. E no entanto, poucos os há como este que vivi, que nos façam parar e pensar. Pensar em tudo, devolver-nos às raízes que o dia-a-dia nos leva muitas vezes a esquecer. Sou o fruto do que tantas pessoas fizeram de mim. Obrigada, Pai, Mãe, Tios, Avós, ensinaram-me a ser gente! Forte, determinada, inflexível, mas gente, que se dobra em humildade e agradece, a quem lhe faz bem. Vou continuar nos exemplos. Empatia. Empatia significa, tal como ensinava aos meus formandos de outrora, "colocarmo-nos no lugar do outro". Passo o dia a fazê-lo. Não, não sou uma santinha, e muito menos sonsa. Simplesmente, foi algo com que cresci. Não trato mal ninguém, acho, só porque esse alguém não me diz nada, só porque não nutro por essa pessoa simpatia. Acho que nas relações humanas o respeito pelo outro é basilar, e a empatia serve muitas vezes para refrearmos as nossas emoções e agirmos com educação. Não custa agradecer se nos ajudam, não custa criticar construtivamente, não custa dizer não, quando esse não é baseado no no "não porque não" mas sim no "não porque...". As pessoas não são bichos. Têm inteligência para compreender o que lhes é explicado, mas são incapazes de adivinhar o que não o é. Simples, não? Mais exemplos: Indiferença. A indifernça é o pior dos sentimentos. Não a sinto por ninguém. Gosto, não gosto, gosto mais-ou-menos, mas tenho uma opinião. A indiferença é cruz pesada que não gosto de carregar e por isso não obrigo ninguém a fazê-lo. Se gosto, aproximo-me de coração aberto. Se não gosto, aproximo-me o indispensável. Poucos são os casos. A minha mãe diz que para mim "era tudo boa gente". Lamento, saí ao meu pai. Extrovertida, open mind, aberta a tudo o que me rodeia, pretos, brancos, assim-assim, católicos, muçulmanos, judeus, assim-assim, republicanos, monárquicos, assim-assim. Por isso conservo amigos em vários quadrantes. Gosto de pensar que por onde passo na vida deixo uma pessoa que não me esquecerá, nem eu a ela. E assim é, se pensar nos locais por onde passei, desde a escola preparatória. Fará sentido de outra forma? Faz parte do sentir ilhéu a abertura a tudo o que vem de fora, a afectividade entre as pessoas, de meios pequenos, e eu acho que herdei isso, apesar de só lá ir em Agosto. Não sou cosmopolita, nunca fui. Não gosto de discotecas, nunca gostei, não sou apreciadora de gadgets, não sou apreciadora de espectáculos metropolitanos. Detesto a vida de cidade, ainda que Lisboa seja a minha cidade. Sei que um dia sairei deste lugar, e encontrar-me-ei comigo. Seja onde for, desde que todos os dias haja espaço para um jantar com os meus, ou um café, ou uma ida à casa da vizinha, ou qualquer outra coisa. Sinto falta absoluta de saber que todos têm tempo uns para os outros. Sinto falta de um tinto à lareira, acompanhada de um álbum de fotografias (em papel! à antiga), e de constantes ah! olha como estavas linda aqui com este chapéu! e como engordaste! Somos o que fomos. Somos o que todos nos ensinaram a ser. E eu sou o que sou. Pena tenho de não poder ser qualquer outra coisa, como qualquer outra. Somos o que fomos. A nossa história constrói-nos e nela não entram só condições genéticas, ou"ambientais", entram em 90% as pessoas.

4 comentários:

Zé O Branco disse...

Parece-me que há por aqui um ou dois recados para mim....

Bernardo Santa Clara Gomes disse...

Gostei do teu texto. E sei que mais alguém vai gostar.
Se vão compreender? Não sei.
Sabes, educam-nos deste modo e depois não nos compreendem. É estranho...
Quando olho para as fotos de familia, lembro-me do ambiente que se vivia, do afecto que se sentia. Da tal teia que tu falas.
O Afecto ficou, a teia... bem a teia anda meia emaranhada...

Anónimo disse...

Querida prima, adorei e senti a tua mensagem. Identifico-me e revejo-me em muita coisa. Continua assim porque és verdadeira, sensível e acima de tudo muito humana. Palavra rara nos nossos dias.
Muito obrigada por todo o teu apoio e amizade.
Beijinho com muito carinho desta prima do ilhéu

fofa disse...

Querida prima, adorei e senti a tua mensagem. Identifico-me e revejo-me em muita coisa. Continua assim porque és verdadeira, sensível e acima de tudo muito humana. Palavra rara nos nossos dias.
Muito obrigada por todo o teu apoio e amizade.
Beijinho com muito carinho desta prima do ilhéu

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