Depois de mais uma vez me deliciar com um texto do nosso amigo virtual em
http://semquorum.blogspot.com/ e de recordar a notícia ouvida hoje de manhã na rádio na hora e quarenta minutos de trânsito com que esta maravilhosa Lisboa me presenteou (obrigada Lisboa! Estás no meu coração!), achei que tal proposta merecia o meu deleite intelectual.
Não conheço obviamente a proposta a proposta de lei a apresentar pelo BE. Mas, analisando de fora o que me parece ser tenho a dizer uma coisa, um pouco à Marques Pentes: "que disparate". Não a ideia, mas a concretização.
Quereis pois pôr um cartório notarial a decretar divórcios sem mútuo consentimento? E já agora, vendas de imóveis sem consetimento entre o comprador e o vendedor? Ou escrituras de partilhas onde os herdeiros não se entendem e cada um contratualiza o que quer? Oh senhores! Parai para pensar. Se não o fizestes, que o faças agora, pós 13 de Maio, inspirado nas melhores tradições católicas.
Casamento: encontro de vontades de 2 pessoas de sexo diferente. Logo, após o pedido e afixação de editais e coiso e tal, 15 dias e dá-se a boda.
Divórcio: uma de duas, encontro de vontades quanto a questões essenciais, como sejam, custódia dos filhos menores, futuro da casa da família, pensão de alimentos quando alguém precisa de a receber, ou, profundo desencontro de vontades. No primeiro caso, meia dúzia de euros num advogado que prepare o acordo, vai-se ao notário, assina-se, está feito. No segundo caso vai-se à casa da justiça discutir os termos do divórcio. Porquê? Porque se eu estou doente, não vou ao cartório, vou ao médico. Porque cada instituição pública tem a sua função. Se não há acordo a via é o contencioso. Não há volta a dar. Gasta-se o que não se tem, perde-se anos e consegue a bendita sentença de divórcio. E isto mesmo que a outra parte não queira o divórcio. É preciso é que se prove a "ruptura da vida familiar". Como? Provando que a outra parte não cumpriu o acordo, isto é, que não cumpriu os deveres conjugais elencados no Código Civil. O que é de lamentar, no séc. XXI, não é eu ter de recorrer ao tribunal para fazer valer a minha vontade, mas sim quais os fundamentos que eu tenho na lei para a ruptura da vida em comum e portanto, para conseguir o divórcio. São eles: dever de respeito, de fidelidade, de coabitação, de cooperação e de assistência. Se a outra parte no acordo violou um destes deveres de forma reiterada tenho à partida um fundamento para o divórcio. O problema reside no facto de a ausência de amor/paixão (conforme a importância dada a cada um destes sentimentos por quem estiver em causa) não ser ainda fundamento de ruptura da vida familiar. É simples, o marido é o melhor amigo mas não existe intimidade no casal, nem afectividade enquanto casal, e a mulher sente que o casamento acabou, mas não o marido, que quer continuar (muitas vezes por razões patrimoniais, tão só!) como é que ela pode "ganhar" uma acção de divórcio? Não pode. Vai permanecer casada até que a morte os separe. É isto que se tem de alterar. Ainda que a previsão de uma norma não deva ser constituída por emoções/sentimentos mas sim por factos objectivos (porque possíveis de provar em tribunal), no campo do direito da família não há outro caminho. Ninguém deve continuar casado com quem não ama. E por isso, esta ideia do BE é de louvar. Mas sempre com o pressuposto de que quem pede o divórcio unilateralmente, o tem de fazer junto do tribunal, não porque se pretenda encontrar o "conjuge culpado" como actualmente, para nessa culpa fundar a pretensão do divórcio pela parte autora, mas porque é ao juíz que cabe substituir-se à vontade das partes em qualquer contrato jurídico celebrado num Estado de Direito Democrático como o nosso. Mais ninguém tem poderes de soberania para tal.